domingo, 22 de junho de 2014

Pragmatismo, Rubens.








Pragmatismo é o que te falta, Rubens.

- Quererás sonhar para o resto da vida?

Continua atirar verbo no sujeito.

- Essas suas escritas nada mais são do que uma combinação de palavras que soam bem aos ouvidos,        quando pronunciadas com um falso sotaque estrangeiro a sua região, muito raramente aos olhos.

Rubens torna-se-ia o terceiro ângulo, e começara a desenhar-se no tempo.

- Tua vida é tão histérica e banal, sabia, Roberto?

Sua metralhadora de verbos era potente e seus ouvidos pouco afinados para pensar, então continuou:

- Adjetive minhas praticas da forma que quiseres.
  Três, Três passos luz caminharei para outra atmosfera.
  Me responde uma coisa, Rubens:
  Conseguirás, até quando, ir contra o percurso das Horas?
  As horas se passam, as horas se passam, As horas se passam em um instante.
  Atente-se a vida.
  Vou te deixar.
  [...]
  Uma breve-constante previsão do tempo, já que vives dentro de si:
  Ele não Para.

Foi-se, Roberto, mais uma vez.
[...]

Os únicos rastros que deixara, fora a ausência dos objetos que havia levado na ultima visita.
Sem o ovo na água para cobrir o silencio com melodia, nenhuma torneira ligada.
Sobrou-lhe, silencio e o nada.
[...]

Encontrava-se entre as 23:30 e a 1:00 da manha,
não sabia exatamente em qual minuto de qual hora.
O relógio estava ausente de pilhas que havia sido levadas por Roberto, os ponteiros já não mais trabalhavam com horas.
Supunha 24:06 da madrugada, por ter, finalmente, sentido algum tempo se passar após a partida dele.
Longe do sono chegar para trabalhar, foi Rubens à horta ainda jovem, recém plantada pelos dois que já-não-são, colher hortelã para ferver com leite, como na personagem escrita por ele, que rebentou-se no mangue por desobediência, ora, havia optado pela liberdade e fora massacrada pelas obrigações,
não importa.
[...]

A medida que se movimentava com os pés,
dava um passo, sentia um passo de cada vez.
O andar implicava os olhos que agora alinhados com a mente, estavam a indagar.
Tateavam lentamente as paredes, as quatro portas e seus rabiscos, dois banheiros e os quadros abstratos.
Provavam os olhos com precisão a ausência das coisas e se fecharam com uma certeza:
Ele se foi.  

Porta-retrado do mar.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Interrogação, Rubens.








Você gostaria de continuar a viver de finais, Rubens?

As chaves ficaram, junto a escritura da casa e mais um adeus.
Pela escada, desceu leve e finalmente livre.
Pelo ralo, foi Rubens.

- Ta ocupada? Ta ocupada? Ta ocupada?
Repetia, perdido, sem ao menos se dar conta do ovo no fogo.
Não a deixou responder.
- Conte-me uma historia, breve ou longa.
-  Meu pai costumava colecionar as baratas que o velho falecido Pedro, o gato de rua que criávamos, matava e trazia, ao final de todo mês, nos comíamos uma torta de 15 cm de diâmetro, era sempre recheada de amoras, framboesas e morangos, as baratas mortas eram retiradas dos quadros em que o pai as colocava, assadas a 200º graus por 40 minutos, logo após, trituradas e colocadas sobre a torta, nunca soubemos o que era aquele crocante, ele nunca nos dizia do que se tratava, afinal, ninguém entrava na cozinha enquanto ele preparava alguma refeição, aquela velha fala de Mestre-Cuca: - “Segredo do Chef”. No funeral da vovó, enquanto discursava, nos revelou o segredo do crocante da torta de frutas vermelhas. Levou consigo um saco que não sabíamos o que continha, após terminar sua fala, despejou no caixão da vovó 10 quilos de baratas assadas. Tudo bem contigo Rubens?

A energia cai.

Rubens não se movimenta.
[...]

Vai ao fogão.

Acontece uma harmonia entre a água fervente e o rachar da casca do ovo.
Ele a percebe. E a ouve. E a observa.

Restava pouca água na panela, e fazia agora um barulho.
Foi-se a harmonia, pensou Rubens.
Esperou toda água entrar em ebulição.
A gema já coloria a clara cozida em amostra.

Seca a água.
[...]

A Esperar.
Espera,
..., e espera.
[...]

Esfriou o ovo, o tempo.

Rubens descasca a cria morta do frango, cuidadosamente.

A energia sobe.

Com luzes florescentes e luminárias importadas a clarear qualquer observação
Rubens toca o ovo. Rubens sente o ovo. Rubens analisa o ovo,
já com sua clara pintada com o amarelo fosco da gema.

Dois fios pretos, com tom de marrom sai vagarosamente do ovo, mantendo-o intacto.
Não há susto.
Parte ao meio, e dali, um parto.
Com asas ainda frágeis, voa uma barata e posa próximo ao aquário,
aonde os peixes com suas vidas presas e monótonas nada observam.

Cai o ovo partido.

Estende a mão, Rubens.
Clama: - Minha querida, o velho Pedro não está entre nós, somos apenas eu e você.
            - Vem ao meu encontro, te olharei com os teus olhos.

Voa débil a barata à mão estendida de Rubens.

Olham-se, silenciosos.
Pensamentos são calados,
todos,
pela ausência dele.
[...]

Comeu,
desta vez,
o parto cru e vivo.

A energia cai.

Porta-retrato do mar.

sábado, 14 de junho de 2014

Virgula, Rubens.






Querido Rubens, estou tirando a vida.
Já não serve.
Até algum outro dia.

Acabou de se pôr o sol,
a noite desenhava rápida e precisa o céu,
sem o perceber de Rubens.
Estava a fumar e a ler,
a fumar e a ler, assim,
sem olhar para os lados,
seus olhos se tornaram vítimas presas àqueles garranchos daquele que decidiu ir,
sem resgate, não havia.
Naquele papel melado de sangue,
a voz rouca e vencida repetia:
- já não me sinto bem, o fogo da artilharia me acertou, àquele da vida.
- Já não me sinto bem, o fogo da artilharia me acertou, àquele da vida.
- A vida é bélica. - A vida é bélica. - A vida é Bélica.

Rubens tentava fugir do avesso.
Acontece que o verbo te penetrava a pele.


Porta- retrato do mar.