Você gostaria de continuar a
viver de finais, Rubens?
As chaves ficaram, junto a
escritura da casa e mais um adeus.
Pela escada, desceu leve e
finalmente livre.
Pelo ralo, foi Rubens.
- Ta ocupada? Ta ocupada? Ta ocupada?
Repetia, perdido, sem ao menos
se dar conta do ovo no fogo.
Não a deixou responder.
- Conte-me uma historia, breve
ou longa.
- Meu pai costumava colecionar as baratas que o
velho falecido Pedro, o gato de rua que criávamos, matava e trazia, ao final de
todo mês, nos comíamos uma torta de 15 cm de diâmetro, era sempre recheada de
amoras, framboesas e morangos, as baratas mortas eram retiradas dos quadros em
que o pai as colocava, assadas a 200º graus por 40 minutos, logo após,
trituradas e colocadas sobre a torta, nunca soubemos o que era aquele crocante,
ele nunca nos dizia do que se tratava, afinal, ninguém entrava na cozinha
enquanto ele preparava alguma refeição, aquela velha fala de Mestre-Cuca: - “Segredo do Chef”. No
funeral da vovó, enquanto discursava, nos revelou o segredo do crocante da
torta de frutas vermelhas. Levou consigo um saco que não sabíamos o que
continha, após terminar sua fala, despejou no caixão da vovó 10 quilos de
baratas assadas. Tudo bem contigo Rubens?
A energia cai.
Rubens não se movimenta.
[...]
Vai ao fogão.
Acontece uma harmonia entre a água
fervente e o rachar da casca do ovo.
Ele a percebe. E a ouve. E a
observa.
Restava pouca água na panela,
e fazia agora um barulho.
Foi-se a harmonia, pensou
Rubens.
Esperou toda água entrar em
ebulição.
A gema já coloria a clara
cozida em amostra.
Seca a água.
[...]
A Esperar.
Espera,
..., e espera.
[...]
Esfriou o ovo, o tempo.
Rubens descasca a cria morta
do frango, cuidadosamente.
A energia sobe.
Com luzes florescentes e luminárias
importadas a clarear qualquer observação
Rubens toca o ovo. Rubens
sente o ovo. Rubens analisa o ovo,
já com sua clara pintada com o amarelo fosco
da gema.
Dois fios pretos, com tom de
marrom sai vagarosamente do ovo, mantendo-o intacto.
Não há susto.
Parte ao meio, e dali, um
parto.
Com asas ainda frágeis, voa
uma barata e posa próximo ao aquário,
aonde os peixes com suas vidas
presas e monótonas nada observam.
Cai o ovo partido.
Estende a mão, Rubens.
Clama: - Minha querida, o
velho Pedro não está entre nós, somos apenas eu e você.
- Vem ao meu encontro, te olharei
com os teus olhos.
Voa débil a barata à mão
estendida de Rubens.
Olham-se, silenciosos.
Pensamentos são calados,
todos,
pela ausência dele.
[...]
Comeu,
desta vez,
o parto cru e vivo.
A energia cai.
Porta-retrato do mar.
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