segunda-feira, 16 de junho de 2014

Interrogação, Rubens.








Você gostaria de continuar a viver de finais, Rubens?

As chaves ficaram, junto a escritura da casa e mais um adeus.
Pela escada, desceu leve e finalmente livre.
Pelo ralo, foi Rubens.

- Ta ocupada? Ta ocupada? Ta ocupada?
Repetia, perdido, sem ao menos se dar conta do ovo no fogo.
Não a deixou responder.
- Conte-me uma historia, breve ou longa.
-  Meu pai costumava colecionar as baratas que o velho falecido Pedro, o gato de rua que criávamos, matava e trazia, ao final de todo mês, nos comíamos uma torta de 15 cm de diâmetro, era sempre recheada de amoras, framboesas e morangos, as baratas mortas eram retiradas dos quadros em que o pai as colocava, assadas a 200º graus por 40 minutos, logo após, trituradas e colocadas sobre a torta, nunca soubemos o que era aquele crocante, ele nunca nos dizia do que se tratava, afinal, ninguém entrava na cozinha enquanto ele preparava alguma refeição, aquela velha fala de Mestre-Cuca: - “Segredo do Chef”. No funeral da vovó, enquanto discursava, nos revelou o segredo do crocante da torta de frutas vermelhas. Levou consigo um saco que não sabíamos o que continha, após terminar sua fala, despejou no caixão da vovó 10 quilos de baratas assadas. Tudo bem contigo Rubens?

A energia cai.

Rubens não se movimenta.
[...]

Vai ao fogão.

Acontece uma harmonia entre a água fervente e o rachar da casca do ovo.
Ele a percebe. E a ouve. E a observa.

Restava pouca água na panela, e fazia agora um barulho.
Foi-se a harmonia, pensou Rubens.
Esperou toda água entrar em ebulição.
A gema já coloria a clara cozida em amostra.

Seca a água.
[...]

A Esperar.
Espera,
..., e espera.
[...]

Esfriou o ovo, o tempo.

Rubens descasca a cria morta do frango, cuidadosamente.

A energia sobe.

Com luzes florescentes e luminárias importadas a clarear qualquer observação
Rubens toca o ovo. Rubens sente o ovo. Rubens analisa o ovo,
já com sua clara pintada com o amarelo fosco da gema.

Dois fios pretos, com tom de marrom sai vagarosamente do ovo, mantendo-o intacto.
Não há susto.
Parte ao meio, e dali, um parto.
Com asas ainda frágeis, voa uma barata e posa próximo ao aquário,
aonde os peixes com suas vidas presas e monótonas nada observam.

Cai o ovo partido.

Estende a mão, Rubens.
Clama: - Minha querida, o velho Pedro não está entre nós, somos apenas eu e você.
            - Vem ao meu encontro, te olharei com os teus olhos.

Voa débil a barata à mão estendida de Rubens.

Olham-se, silenciosos.
Pensamentos são calados,
todos,
pela ausência dele.
[...]

Comeu,
desta vez,
o parto cru e vivo.

A energia cai.

Porta-retrato do mar.

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